Fiel filha espiritual de Santa
Teresa de Ávila no seu amor à Religião e à Ordem carmelitana, Madre Maravilhas
de Jesus, carmelita descalça, lutou tenazmente no século XX para que
permanecessem intactas as regras, os usos e costumes legados pela grande Santa
de Ávila, Reformadora do Carmelo. Sua festa transcorre no dia 11.
Plinio Maria Solimeo
Santa Maravilhas de Jesus |
Os Marqueses de Pidal eram muito
religiosos e esmoleres, rezavam o terço diariamente em família e cumpriam com a
maior exatidão seus deveres de estado. Num ambiente familiar assim, Maravilhas
sentiu-se desde cedo predisposta à virtude. Além disso, beneficiava-se da boa
influência de sua avó materna, Da. Patricia Muñoz Dominguez, piedosa e austera,
com quem compartilhava a habitação.
Madre Maravilhas de Jesus afirmará
que sentiu o apelo divino para a vida religiosa com o despertar da razão. Aos
cinco anos de idade, fez voto de castidade. Diariamente ia com sua avó à santa
Missa e, apesar de seu desejo, não pôde fazer a primeira comunhão senão depois
dos 10 anos de idade, como era costume na época. Dirá ela a seu diretor
espiritual: “O dia de minha primeira comunhão foi felicíssimo. Só falei com o
Senhor de meus anelos de que chegasse o dia de poder ser toda sua na vida
religiosa”.1
Ardente desejo de
consagração a Jesus
Madre Maravilhas de Jesus pouco antes de entrar no convento |
Em 1913 morre seu pai, e no mês
seguinte sua avó materna. Como seus irmãos já se haviam casado, tocava a
Maravilhas ficar com a mãe, o que tornava mais difícil para ela a entrada no
convento.
Anos depois, indo passar uma
temporada com seu irmão e cunhada em Torrelavega, foram até Covadonga, onde
Maravilhas suplicou muito à Virgem ali venerada que lhe concedesse a graça de
entrar o quanto antes num carmelo. Nossa Senhora a ouviu. Pouco depois, tanto
seu diretor espiritual quanto sua mãe concederam-lhe a esperada permissão.
Entrou no carmelo de El Escorial no dia 12 de outubro de 1919. A
obediência a fizera esperar até os 27 anos para consagrar-se toda a Jesus!
O Cerro de los Angeles e o
novo carmelo
As carmelitas no dia da inauguração do Monumento no Cerro de los Angeles; |
No entanto, não havendo boas
estradas, o monumento do Cerro foi caindo no esquecimento. Certo dia Nosso
Senhor, por meio de inspirações interiores, comunicou à então Irmã Maravilhas
seu desejo de que fosse edificado um carmelo naquele local, para velar pelo
monumento e se imolar pela Espanha. Também inspirou outra freira do mesmo
convento a secundar a Irmã Maravilhas nessa empresa.
Depois de mil e uma dificuldades, as
duas religiosas com sua antiga Mestra de Noviças e uma noviça fundaram o carmelo
no Cerro de los Angeles. Este depressa prosperou, tendo recebido muitas
vocações. A Irmã Maravilhas, apesar de ter feito os votos solenes pouco tempo
antes, foi designada Mestra de Noviças, e logo depois priora do novo
carmelo.
Enfrentando a revolução
comunista de 1936
Durante a guerra Civil, os comunistas atiram contra o Sagrado Coração, no referido monumento |
Não coube a Madre Maravilhas e às
suas filhas espirituais, embora o desejassem ardentemente, darem a vida pela Fé.
Foram expulsas do convento e passaram um ano em Madri, mantendo a vida de
comunidade num apartamento, sob constante risco. Até que ela e suas 20 freiras,
com alguns leigos que a ela tinham se confiado, conseguiram sair da Espanha para
nela reentrar na região não dominada pelos comunistas. Assim surgiu o convento
de Batuelas, onde se estabeleceu a comunidade até a liberação do país do jugo
vermelho. Então, como havia muitas pretendentes para o carmelo, foi possível
voltar ao Cerro de los Angeles deixando uma comunidade em Batuelas.
Madre Maravilhas, que em 1933 já
havia enviado religiosas para a ereção de um convento carmelita em Kottayan, na
Índia, fundaria ainda mais 10 na Espanha. Enviou também freiras suas para
reforçar o carmelo de Ávila, onde tinha vivido Santa Teresa, bem como outro no
Equador.
Fidelidade heróica ao
espírito de Santa Teresa
Pela Constituição Sponsa Christi,
Pio XII propunha aos religiosos a formação de federações de mosteiros com
noviciados comuns, madres federais e religiosos para as assessorar. Isso trazia
como conseqüência reuniões, visitas dos dirigentes da federação etc., o que
alterava muito a vida de um convento de contemplativas como são as carmelitas. E
não se coadunava com o que Santa Teresa estipulara para seus carmelos, que
deveriam ser comunidades autônomas e estáveis, com número limitado de monjas,
clausura estrita etc.
Madre Maravilhas, que não desejava
nenhuma alteração naquilo que Santa Teresa legara, fez o possível para evitar
modificações que alterassem a vontade da grande reformadora do Carmelo.
Consultou o Geral da Ordem do Carmo, o Pe. Silvério de Santa Teresa, a quem já
conhecia e com quem tratara por ocasião da fundação do carmelo de Cerro de
los Angeles. Dirigiu-se mesmo ao Secretário da Congregação dos Religiosos,
o espanhol Pe. Arcádio Larraona. Os dois concordaram com o ponto de vista da
Madre. Mobilizou ela todos os contatos que mantivera, tanto no campo civil
quanto no eclesiástico, em favor de sua aspiração.
Para ela, tratava-se de uma
verdadeira batalha, para a qual tinha que usar todos os recursos da piedade, mas
também da argúcia, da tenacidade e da sua extraordinária vitalidade.
Tenaz defensora da Ordem
carmelitana
“El Priorito”, imagem do Menino Jesus que Madre Maravilhas colocou como Prior do Convento no Cerro de Los Angeles |
Assim, quando o embaixador da Espanha
junto à Santa Sé, Fernando Castiella, comunicou-lhe boas notícias a respeito do
andamento de suas gestões no Vaticano, escreveu à priora do Cerro em 5 de junho
de 1954: “Isto foi um milagre verdadeiro. A Santíssima
Virgem quis salvar sua Ordem”.2Em outra carta à mesma,
três meses mais tarde, afirmava: “A Santíssima Virgem, em seu Ano Mariano
[1954], vai nos salvar”. A essa Madre, ela já
afirmara pouco antes: “Minha Madre! Quanto temos que pedir à Santa Madre
Teresa que livre sua Ordem! A Santíssima Virgem no-lo
concederá”.3
A Frei Victor de Jesus Maria, O.C.D.,
canonista e Definidor Geral da Ordem, escreveu ela em 4 de julho de 1956:
“Já sei que V. Revma. não nos esquecerá e pedirá muitíssimo para que
não permita o Senhor que a Ordem de sua Mãe seja tocada em
nada. Já não nos resta mais que a oração, mas realmente é a arma mais
poderosa”.4
Resistindo aos ventos dos
novos tempos
A questão arrasta-se, sobretudo com o
início do Concílio Vaticano II. Em carta escrita em abril de 1967 ao Preposto
Geral da Ordem, Frei Miguel Ângelo de São José, diz ela: “A eleição de V.
Revma. nos encheu de alegria, e vimos como Nossa Mãe Santíssima vela por sua
Ordem, pondo-a em suas mãos nestes tão difíceis e delicados
momentos”.5
No dia de São Miguel, 29 de setembro
de 1967, volta a escrever ao mesmo: “Faça tudo quanto seja necessário para
salvar a ‘Ordem da Virgem’ nestes tão difíceis tempos. Com a
ajuda de Cristo, nosso Bem, e de sua Mãe Santíssima, não podemos duvidar de que
assim será”.
O tempo foi passando, e um dos
decretos do Vaticano II, o Perfectae Caritatis, voltou com a proposta
de Pio XII, recomendando às religiosas contemplativas a formação de federações,
uniões ou associações, como um meio de ajuda mútua entre os mosteiros. Madre
Maravilhas vê no número 22 do decreto a saída que buscava. Recomenda esse item
que “os Institutos e Mosteiros autônomos promovam entre si [...] uniões, se
têm iguais constituições e costumes e estão animados do mesmo espírito,
principalmente se são demasiado pequenos”.6Discernia ela aí uma saída:
fundar uma união de carmelos (dos por ela fundados e mais alguns que
pediram sua admissão) sem ter que alterar em nada a vida desses mosteiros. A
finalidade de tal associação era a de que esses carmelos pudessem ajudar-se com
facilidade, espiritual e economicamente, e até com o pessoal necessário, sem
saídas nem entradas, sem visitas nem visitadoras etc.7
Realização do desejo de
“não mudar nada”
Depois de muitas dificuldades,
tensões e argúcias da Madre, finalmente Roma aprovou essa união em 14
de dezembro de 1972, com o nome de Associação de Santa Teresa, sendo
Madre Maravilhas eleita sua presidente por unanimidade, em 12 de março de
1973.
Numa carta enviada a Madre Luísa do
Espírito Santo, priora de Arenas, em 22 de março desse mesmo ano, mostra Madre
Maravilhas seu contentamento ao mesmo tempo em que indiretamente aponta as
principais conquistas: “Como vêem, já nos concedeu o Senhor esta graça que
lhe vínhamos pedindo, se essa fosse sua vontade, e já temos aprovada a nossa
Associação de Santa Teresa na Espanha. Foi como um milagre que o Senhor
tenha feito que a aprovassem tal como a havíamos pedido. Para nossos
conventinhos tudo isso não supõe nenhuma novidade, pois o vínhamos vivendo, com
a ajuda do Senhor, desde há tantos anos; mas é muito que o Senhor, pondo em
nossa maneira de viver o selo e a aprovação da Igreja, parece dizer-nos, pelo
caminho mais seguro, que está contente com isso e que aprova nossos desejos de
não mudar nada, e que sigamos adiante pelos mesmos caminhos que nossa Santa
Madre nos traçou. [...] De vários conventos nos pedem para entrar em nossa
união, mas por agora nos parece que não convém aumentar o número”.8
Madre Maravilhas de Jesus morreu em
11 de dezembro de 1974, sendo beatificada por João Paulo II em 1998, e por ele
canonizada em 3 de maio de 2003.
Nenhum comentário:
Postar um comentário